terça-feira, 29 de maio de 2012

Qualquer coisa pode funcionar... ou não.

Whatever works – Tudo pode dar certo O que parece pretender Wood Allen, esse eterno neurótico questionador da existência desde o início de sua carreira como cineasta, neste filme?Acho que as possíveis traduções de whatever seja uma boa forma de contribuir para a roda de prosa dessa noite. Assim como o termo: estranho do ensaio freudiano, os sentidos da expressão idiomática whatever mostram coisas que podem ser contrárias. A tradução para o português apaga essa ambigüidade tão importante no filme. De acordo com Michaelis, dicionário ingles- portugues,podemos ver esses deslizamentosde sentido: Whatever-adj 1 qualquer, qualquer que, de qualquer tipo, seja qual for. 2 tudo o que, tudo quanto. 3 por mais que, não importa, o que quer que. 4 o que é que, que raios, que diabo. 5 de forma alguma, de nenhuma forma, absolutamente nenhum, sem nenhuma. Voltemos ao filme: Boris é um personagem que faz parte da linhagem da trilha de Wood Allen, que costumamos ver encarnados por ele mesmo em outros filmes. Alguém que questiona os valores, crenças e ilusões da humanidade, colocando o próprio eu em questionamento. Rimos do personagens e de nós mesmos. Também como em outros filmes, este é particularmente marcado por contradições, ambiguidades. Se por um lado Boris questiona as formas que considera sem requintes intelectuais,por outro lado sua sabedoria, seu QI de 200, quase ter ganhado o premio Nobel, não o livram de rituais protetores e supersticiosos, tais como, cantar “parabéns pra você” enquanto lava as mãos. Nem sua racionalidade o livra de acessos intempestivos de afetos que o levam, por exemplo, a saltar pela janela por duas vezes, quando é abandonado pela mulher, mesmo que a separação fosse previsível. Ou seja, o caminho da racionalidade, também não traz nenhuma garantia ao ser humano. Sou onde não penso, afirma a psicanálise a partir da hipótese do inconsciente. Parece que a questão do acaso tem sido um dos pontos constantes em seus últimos filmes, e neles pode se vislumbrar um certo convite para que o ser humano permita que a vida corra mais solta, mais desamarrada. Como no filme Medianeiras, cada um precisa cavar seu próprio buraco no muro que, à primeira vista, parece intransponível. O caminho certo? O filme mostra que eles não existem. Todos os encontros amorosos do filme são marcados pelo inusitado, pelo que carece de lógica: Boris e suas mulheres – a primeira que deixou porque eram muito parecidos nos valores, mas nem por isso havia paixão; Melody – música?- a adolescente que aparece por acaso em sua porta e por fim uma vidente que cai sobre ela quando pretende acabar com a vida; os amores dos pais de Melody,com histórias de vida marcadas por preceitos e preconceitos vivem questões surpreendentes para esses moldes: um amor a três e uma história homossexual. O inusitado pode acontecer, mesmo que não esteja prescrito. Talvez a melhor tradução para o filme seja: qualquer coisa pode funcionar... ou não! Olhando o percurso do cineasta, parece que Wood Allen nos envia uma mensagem interessante: Se a vida em si carece de sentido, isso, além de ter uma dose de humor, não nos impede, ou talvez mais que isso, nos impulsione a inventá-la, nos diz freudianamente esse ser que sempre se vê mancando – como Boris manca, apesar de se agarrar a suas pretensões de saber mais que os outros. Qualquer coisa pode dar certo, assim como pode dar errado. Talvez a nossa expectativa excessiva no previsível, nosso querer amarrar a vida em busca de certeza pré estabelecidas não nos leve muito longe e acabe por nos criar outros problemas. Suzana Braga – 29/5/2012