quarta-feira, 6 de outubro de 2010

recado para o Drummond

Minha cidade, como todos os amores, é cheia de sim e de não. Em suas esquinas está guardada a minha história, também cheia de sim e de não, prazeres e dores. Impossível separar uma face da outra: quantas lembranças, quantos esquecimentos. Minha cidade se faz com sonhos de uma vida melhor, mas também se faz com perdas. Foi concebida para caber dentro de um contorno, mas rompeu os seus limites e deu lugar a inusitados acontecimentos.
Seus poetas vieram para bendizer e maldizer as suas delicias e mazelas. Frei Beto, escondido em sua memória, ainda brinca na cidade de sua infância. Drummond, em 1976, chegou até a afirmar que não voltaria mais a Belo Horizonte. Seu ar ingênuo de cidade púbere tinha se transformado e ela tinha virado uma cidade atroz. Violada em suas entranhas para dar lugar a arranha-céus, era escrava da mais valia, perdera sua graça de cidade menina em nome do capital.
Mas assim mesmo, deixo um recado para o Drummond: ainda resta um belo horizonte e belas paisagens, um por do sol magnífico e ipês e paineiras florindo nas avenidas. Em suas ruas ainda perambulam meninas bonitas e a Serra do Curral ainda tem uma casquinha linda que dá um contorno magnífico à megalópole.
Com a violência urbana, Belo horizonte não tem mais a frescura do pêssego, mas tem a cor dos festivais, tem bares alegres onde seus jovens talvez ainda queiram sonhar com um mundo mais justo.
Como você, Drummond, vivi em outra Belo Horizonte. Lá naquele tempo em que estudar em grupo escolar era um aconchego! Que o colégio Estadual era célebre por preparar bem seus alunos. (E não é que meus professores eram autores dos livros em que estudávamos?)
Tempo em que as horas dançantes aconteciam em uma varanda qualquer, quando se dançava até acabar a pilha da vitrolinha portátil. Na hora de dançar, sentir o coração apertado, enquanto me encostava no peito dos rapazes. Era um tempo de sair para namorar nas tardes de domingo, ir à sessão de cinema pra depois tomar lanche no Xodó e perambular na praça da Liberdade, em meio às conquistas e medos das novidades da adolescência.
Ah, eu amava tanto aquela praça que até sonhava que um dia ela poderia ser minha! Morar por ali, olhar pela janela e ver aquela paisagem: as palmeiras imperiais, o romântico coreto e a magia da fonte luminosa jorrando fagulhas no meio da noite. A praça, Drummond, continua linda. Talvez para nos mostrar que nem tudo está perdido, que há uma beleza que atravessa o tempo. A nossa cidade, como todos os amores, é habitada por sins e por nãos. E se você, Drummond, olhasse com carinho, com ares de perdão, talvez pudesse encontrar algo que lembrasse a sua cidade menina-ingênua da qual tinha tanta saudade e tanto medo de rever maculada. Ela não é mais menina, nem ingênua, eu também não. Mas talvez nela ainda viva, como acontece comigo, algo que não envelhece jamais.

– out/2010