quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A escrita viva - intertextos

E se ela, Maria, um dia fosse escritora, como gostaria de escrever?
¬- Ah, suspira, queria que meu escrito fosse um acalanto ao avesso, com leveza capaz de acordar as crianças, inclusive essa que mora em mim. Ou mais que isso, que acontecesse um criançamento da palavra: tornando-se dançante, cheirosa, para que pudesse, não restituir o passado, mas que tivesse asas e voasse para um tempo além do tem po, onde o ontem e o amanhã pudessem se dar as mãos. Um tempo da delicadeza, de puro encantamento.
Um escrito que, como a prosa-poesia de Bartolomeu, soubesse torcer as palavras para que ganhassem força própria e pudessem ir mais longe. Pra curar as tristezas? Certamente que não. Afinal, muitas vezes precisava delas. Prece pra acabar os desencontros? Também não, eles fazem o pulsar da vida. O que queria afinal? Ah, queria uma palavra–Clarice, que pescasse a não-palavra; como o aliás de Adélia, peixe vivo na mão.
As palavras sabem muito mais longe. Podem criar amores, provocar suspiros, pintar aquarelas escorridas de seus desvãos. Na hora da escrita, queria ser tomada de uma doçura louca e virar Maria Candura, sem medo de encontrar o João, por que não, o João ternura. Porque o amor, ah o amor, como a escritura, o amor dá medo. É pertencimento recheado de solidão. É preciso atravessar o precipício e olhar do outro lado, bem diverso do que se supôs, não é João? Ser surpreendida por ele numa cidadezinha qualquer (pra que nome?), com janelas olhando a rua, um sol parado e teimoso, meninos coçando pereba e moça bonita de vestido curto, carregando água na cabeça. Poderia amá-lo sem fome e sem pressa, em absurda alvorada, dividindo a liberdade em fatias.