quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Adelia

Com um ramo de buganvílias brancas na mão e o coração aos pulos, ia ao encontro do poeta. Não sabia como chegar, o que dizer, como se fazer presente. Entre a santa e a puta, vislumbrava a mulher, aquela que ela procurava pela vida afora.
Era para aquele escritor que havia pedido licença poética, dialogando com ele no poema que escolhera para abrir seu primeiro livro. Só que no lugar do anjo torto, ela preferira um esbelto e ainda tocando trombeta! Afinal, o erótico, principalmente quando tingido com as tintas do místico, tinha um sabor especial, sempre presente em seus poemas. Era em sexo, morte e Deus que ela pensava todo dia. Seu misticismo era uma forma de vivenciar o que escrevera: erótico é a alma. Se o poeta, considerado o maior, nomeava-se gauche e achava que a vida não tinha solução, nem se seu nome fosse Raimundo; ela, mais barulhenta, gostava de carregar bandeira, fundar linhagens e criar reinos. Fazia pose de mulher poderosa e ora sim, ora não acreditava em parto sem dor. Mas esse entusiasmo não a protegia de suas dores: o amor, as perdas, o envelhecimento. A poesia, às vezes roda dentada e outras sua suposta salvação, era um jeito de viver a paixão, de fazer um apelo diante do desassossego de seu amor a Deus.
Amava aquele poeta como se ele fosse um dos ladrões que ficaram ao lado do Cristo crucificado. Já havia escrito que desejava ter alguns amantes e ele fazia parte de sua lista, uma vez que considerava algumas infidelidades absolutamente essenciais. O Zé tinha uma paciência incansável, não podia viver sem ele. Quem, além dele, agüentaria as suas estridências? Só a seu lado poderia ficar mais singela. E entre os amantes, um deveria ser padre, para poder falar do seu amor por Jesus, filho de Deus que, feito homem, tinha um belo par de pernas. E o poeta, o que queria dele? Falava pouco - nisto se parecia com o Zé - mas sua escrita tocava a alma da mesma forma que os textos bíblicos, leitura interminável, com eternas verdades por revelar. Como o poeta, ela vivia em busca da palavra, aquela que estaria antes do nome, disfarce de coisa mais grave, surda muda. E em alguns momentos de graça, infrequentíssimos, podia apanhá-la com a mão: um peixe vivo. Puro susto e terror.
Ela, que achava o Rio de Janeiro uma beleza, seguia pela avenida em frente à praia de Copacabana. Quase chegando em Ipanema, deparou com ele, sentado num banco, lendo um livro. Seus óculos estavam mal alinhados, devido aos atos de vandalismo. Magro, miúdo, cabeça baixa, primeiro quis convidá-lo para virar-se e olhar o mar. Mas, pensou: não. Ele tinha escolhido o livro. Sua vida se fez pela escrita. Consertou-lhe os óculos para que pudesse ler melhor, deixou o ramo de buganvílias brancas a seu lado e partiu. Teve medo de olhar pra trás, pois, por um momento, acreditou que o poeta havia guardado seu presente.